Neusa Gusmão

Professora Doutora Neusa Maria Mendes de Gusmão. Rede Argonautas - Rede de Pesquisadores em Antropologia e Educação

Não é fácil falar sobre nós mesmos. Trata-se de um desafio. Desde muito cedo havia me proposto um caminho que me levasse a uma universidade e ao curso de Ciências Sociais. Não por acaso. Hoje sei o significado daquilo que vivi na cidade operária onde cresci, junto a operários ligados ao Partido Comunista atuantes nos anos de 1950/60 no Sindicato de Trabalhadores da Indústria local. Sei o que vivi como filha de pais camponeses que trilharam a migração campo-cidade e se tornaram, operários, para enfim, livres do jugo da fábrica, se tornarem pequenos comerciantes. Lembro, sobretudo, a experiência da escola pública até chegar ao secundário, que desvelou outras realidades, possibilidades, expectativas e limites como experiências definitivas em minha vida, a fazer de mim, aquilo que sou como pessoa, como profissional com minha visão de mundo sempre disposta a aprender. A aprendizagem do que sou e do mundo à volta tece a trama do caminho que me levou à universidade e me fez antropóloga. 

Após a descoberta e a aprendizagem de um mundo conturbado – estávamos em plena ditadura – migrei do interior para São Paulo, voltei à escola pública para terminar o secundário, fui bancária até entrar na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a PUCSP e trilhar um caminho como estudante a trabalhar com pesquisas de opinião e assim, desvendar o mundo de meus sonhos: a formação em Ciências Sociais, como Bacharel e Licenciada. Foi na PUCSP que descobri e fui seduzida pela Antropologia. Nessa instituição e nessa área do conhecimento fiz o mestrado, segui com o doutorado e me transferi para a USP, onde finalizei meu doutorado. A formação em torno da questão indígena e as lutas dos anos de 1960 me levaram de volta realidade campesina, o campo e a luta pela terra foram temas importantes nessa caminhada e, finalmente, dos grupos camponeses à realidade de grupos rurais negros (nominados assim na época), hoje quilombolas, foi um passo contingente a me formar pesquisadora. Aprendi com camponeses, negros, negras, homens, mulheres, crianças e muitos outros a complementar o saber acadêmico de meus mestres nas universidades onde estudei (PUCSP e USP) e nas quais fui docente de antropologia (PUCSP; UNESP; UNICAMP) por quase quarenta anos. Segui a senda profissional com pesquisas realizadas em Portugal, com imigrantes africanos e a realidade das políticas educacionais do governo português, obra base de minha Livre-Docência e já publicada. Os debates em torno da Antropologia e/da Educação fizeram-me alçar a condição de Professora Titular, na UNICAMP e hoje, aposentada das lides da docência, sigo estudando, dando palestras e escrevendo muito na trilha em que me fiz e continuo aprendendo a ser antropóloga. 

Convido-os, assim, inspirada em Carlos R. Brandão, a seguirem comigo a minha viagem à casa da memória, acompanhar meu trajeto registrado em artigos, livros, entrevistas e, assim, compreender que essa caminhada de lembrar e pensar sobre o mistério da lembrança – de ontem e de hoje – pode ser perigosa. Perigosa, principalmente quando transformada na palavra escrita, registro permanente daquilo que somos, daquilo que fazemos e dos compromissos assumidos, mas que também, transforma o vivido, que é muito mais complexo e intenso naquilo que é escrito. Ainda assim, a escrita suscita   processos de reflexão e efeitos que vão além da escrita, envolve a experiência, a descoberta e a aprendizagem resultante do universo no qual se está e se vive. Nesse sentido, aprender é conhecer, é aprendizagem, é dialogar e o diálogo que aqui se apresenta, nos lembra nossa singularidade e especificidade histórica e, nos lembra também, que somos parte de um coletivo, chamado humanidade e de sua dimensão social e política da qual somos todos responsáveis. Cabe a nós e à ciência que praticamos a transformação do mundo em uma realidade mais equânime e justa.


Saiba mais sobre a Neusa:

Lattes: http://lattes.cnpq.br/6307432429392251

Orcid: http://orcid.org/0000-0002-5627-1286


Publicações

Quilombos, quilombolas: dizeres acadêmicos, jurídicos e políticos na dança das categorias.

Na terra do outro: presença e invisibilidade de estudantes africanos no Brasil, hoje

Identidade quilombola e processos educativos presentes num quilombo urbano: o caso do Quilombo Brotas

Africanidades e Brasilidades: desafio da formação docente

Africanos no Brasil, hoje: imigrantes, refugiados e estudantes

África, Portugal e Brasil: um novo triângulo das Bermudas?

Formação docente para a diversidade: dilemas, desafios e perspectivas no diálogo Antropologia e Educação

Antropologia e/da Educação no Brasil: Entrevista com Neusa Gusmão

Antropologia e educação: um campo e muitos caminhos

Dossiê: Antropologia, Educação, Alteridades e Desigualdades

Antropologia, Cultura e Educação na Formação de Professores

Etnografia na/e Educação: um olhar sobre quilombolas no Brasil e africanos em Portugal

Antropologia, Educação e Ética: desafios no e do campo científico

GUSMÃO, Neusa M. M. Antropologia e Educação Quilombola: etnicidade e mediação. In: ENTRERIOS, Revista do PPGANT – UFPI, Teresina, Vol. 3, n. 1, 2020. Pp. 9 – 26

GUSMÃO, Neusa M M. Antropologia, Estudos Culturais e Educação. Pro-Posições, v. 19, n. 3 (57) – set./dez. 2008

Por uma Antropologia da Educação no Brasil – Resenha do livro de ROCHA, Gilmar e TOSTA, Sandra Pereira. Antropologia & Educação. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009

Publicações em livro

GUSMÃO, Neusa M. Mendes de. (org.) Diversidade, cultura e educação. Olhares cruzados. São Paulo: Biruta, 2003

Os Filhos da África em Portugal. Antropologia, multiculturalidade e educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2005

GUSMÃO, Neusa M M. Antropologia e Educação: história e trajetos/Faculdade de Educação – Unicamp. In: GROSSI, Miriam Pillar; TASSINARI, Antonella; RIAL, Carmen (Orgs.) Ensino de antropologia no Brasil: formação, práticas disciplinares e além-fronteiras. Florianópolis, SC: Nova Letra/ABA, 2006

GUSMÃO, N. M. M. Realidade e utopia: diversidade, diferença e educação. In: GOBBI, M. A. e NASCIMENTO, M.L. B. P. (Orgs.) Educação e Diversidade Cultural: desafios para os estudos da infância e da formação docente. Araraquara, SP: Junqueira & Marin Editores, 2012

GUSMÃO, N. M. M. e SOUZA, M. L. A.  Educação Quilombola: entre saberes e lutas. IN: DAUSTER, T.; TOSTA, S.P.; ROCHA, G. (Orgs.) Etnografia e Educação. Culturas escolares, formação e sociabilidades infantis e juvenis. Rio de Janeiro: Editora Lamparina, 2012

GUSMÃO, N. M. M. Diversidade cultural e a questão da diferença na educação. In: ARAUJO, M. da S.; MORAIS, J. de F. dos S. (Orgs.) Vozes da Educação. Formação de Professores, narrativas, políticas e memórias. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2012

GUSMÃO, N. M. M. e SOUZA, M. L. A.  Educação Quilombola: entre saberes e lutas. IN: DAUSTER, T.; TOSTA, S.P.; ROCHA, G. (Orgs.) Etnografia e Educação. Culturas escolares, formação e sociabilidades infantis e juvenis. Rio de Janeiro: Editora Lamparina, 2012

GUSMÃO, N. M. M. Diversidade cultural e a questão da diferença na educação. In: ARAUJO, M. da S.; MORAIS, J. de F. dos S. (Orgs.) Vozes da Educação. Formação de Professores, narrativas, políticas e memórias. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2012

GUSMÃO, Neusa M M.  A Lei 10 639/2003 e a formação docente: desafios e conquistas – JESUS, R.   F.; ARAUJO, M. S.; CUNHA Jr. H. (Orgs.) DezAnos da Lei 10.639/03. Memórias e perspectivas”. Fortaleza,CE:Edições UFC., 2013

GUSMÃO, N. M. M. Comunidades Rurais Negras ou Quilombolas? Um debate em torno de categorias e experiências. In: GODOI, E. P.; MENEZES, M.A. (Orgs.) Uma Terra Para Se Viver. Assentados, colonos e quilombolas. São Paulo; Annalube, 2013

GUSMÃO, Neusa M. M.; GOMES, Janaina Damaceno. Raça, Gênero e Classe Social: a educação e seus desafios. In: SCOTT, Parry (Org.) Educação, Femenismo e o Estado no Brasil. Recife, Editora UFPE, 2016

GUSMÃO, Neusa M. M. Ensino Superior e Presença Negra na Academia Brasileira: entre trajetos e clivagens. In: CHAGAS, Silvania Núbia (Org.) África e Brasil. Culturas hibridas, identidades plurais. Salvador, EDUFBA, 2019


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